No South by Southwest, Amy Webb e filas são sinônimos. Com aura de estrela do pop, a futurista e CEO do Future Today subiu ao palco às 10h, mas as filas formadas pelo público começaram mais de três horas antes. Bem-humorada, ela reverenciou o público brasileiro que lotava as primeiras filas com uma saudação em português. A simpatia de Webb contrastou, no entanto, com o tom alarmante da 17ª edição do Tech Trends Report.
No ano passado, a futurista trouxe o foco para o centro da discussão e refletiu sobre como o mundo estaria entrando na era da computação assistida, sem estar preparado para ela. Daquele 12 de março para cá, a discussão sobre a inteligência artificial generativa e o seu impacto imediato do dia a dia das pessoas escalou e Webb encarou de frente a insegurança dos executivos e decisores.
Fud e superciclo
“Vocês não sabem o que fazer ou pensar sobre IA”, constatou a futurista. Na sua análise, os líderes estariam, até agora, agindo baseados no medo e no fear of missing out. Ela, inclusive, trouxe um termo para esse momento específico do mundo: Fud, acrônimo em inglês de medo, incerteza e dúvida.
Com as inseguranças reconhecidas e os presentes no painel unidos pelo sentimento comum, Amy deu início a sua apresentação. No total, o Tech Trends Report avaliou 695 tendências, que resultaram em 95 possíveis cenários futuros e em um material com quase mil páginas. Mas, no centro dele, integrando todas as tendências, estaria um fenômeno: o technology supercycle.
Do ponto de vista econômico, um superciclo é um período de expansão. Segunfo o FTI, ele aconteceria quando se tem uma demanda crescente por um período prolongado que eleva preços e ativos a alturas sem precedentes. No começo do terceiro trimestre de 2023, a empresa de tendências e análise estratégica teria notado o surgimento de um desses superciclos.
“No passado, eles eram definidos por uma única tecnologia. Não é isso que está acontecendo agora”, contou Webb. O fenômeno seria definido por três tecnologias: inteligência artificial, ecossistemas conectados das coisas e biotecnologia. Cada uma delas, por si só, já representam um impacto significativo. Mas, juntas, elas seriam capazes de transformar a economia e a maneira como vivemos, aponta Webb.
Inteligência artificial
Para falar sobre inteligência artificial, Amy voltou um ano no tempo quando, no palco do SXSW, pediu que ferramentas de geração de imagem por IA criassem ilustrações de CEOs de empresas e recebeu uma série de imagens de homens, brancos. A futurista repetiu o exercício e, ainda que a discussão sobre IA tenha avançado, o resultado foi o mesmo.
“Não é um bug. É um problema fundamental no modelo”, criticou Webb. Em paralelo, se hoje para obter as respostas da IA é preciso fazer as melhores perguntas, Amy garante que daqui a dois anos não será mais preciso tratar com especificidade. As ferramentas de IA estariam evoluindo para partir de ideias básicas e construir pensamentos complexos do “conceito ao concreto”, descreveu. Em contrapartida, houve um alerta para a disponibilização desenfreada de modelos de código aberto.
Isso porque, uma vez acessíveis, eles poderiam ser usados para finalidades negativas e perigosas, sem que as empresas de tecnologia responsáveis por distribuir os modelos sejam responsabilizadas.
Ecossistemas conectados
Para Webb, em pouco tempo, os large language models – base para a criação, por exemplo, do ChatGPT – devem se tornar insuficientes e serem substituídos por large actions models. Isso porque os dados disponíveis online, usados para treinar IA, estão limitados pela impossibilidade de interagir em tempo real com humanos.
Entram em cena, então, os conectables, aparelhos vestíveis que contam com sensores capazes de captar dados visuais e sensoriais humanos. O exemplo mais palpável disso seria o recém-lançado Apple Vision Pro. Para Webb, por trás da contrapartida de oferecer mais imersão aos usuários, existe a possibilidade de desbloquear um novo universo de dados e aprendizado de máquinas.
“Eles estão sendo desenvolvidos para ler as suas intenções”, afirma a CEO do FTI. “O seu face computer vai saber o que você pretende fazer antes mesmo que você faça”, acrescenta. Além de captados, posteriormente, esses dados poderiam ser usados para treinar novos modelos artificiais.
Biotecnologia
Fechando a tríade do superciclo tecnológico, a biotecnologia seria a responsável por mover a tecnologia, como conhecemos, para além dos sistemas criados pelo Vale do Silício. Isso vem tomando forma por meio da Organoid Intelligence (IO), um campo emergente de estudo, que usa material biológico e culturas 3D de células cerebrais humanas para reproduzir o processamento de informação, assim como tecnologia de interface cérebro-máquina.
“Nós passamos muito tempo, hoje, falando sobre cenários catastróficos porque sem intervenção é isso que vejo vindo até nós”, reconheceu a futurista e deixou uma crítica aos “Messias da tecnologia”: “Em breve, os Messias da tecnologia tentarão nos salvar do superciclo tecnológico. Cada um deles, terá sua própria abordagem sobre como fazer isso. Eles chamam isso de altruísmo eficaz, otimismo tecnológico. Mas visto de fora, parece muito mais uma alta do livre mercado”.