O filme “Albert Schweitzer”, de Gavin Millar, narra a história do músico (organista), filósofo, teólogo e médico alemão que, na década de 1910, saiu do conforto de sua terra natal, na Europa, e foi, por meio de um trabalho missionário como médico, para Lambaréné, no Gabão. Porém, o foco do filme é mais o período subsequente à Segunda Guerra Mundial, denominado de Guerra Fria, e como que a bipolarização do mundo afetou inclusive o trabalho humanitário de Schweitzer (Jeroen Krabbé).
Um dos méritos do filme é, apesar de todo altruísmo característico de Schweitzer, não ser uma obra que culmina em uma hagiografia, isto é, em uma vida de santo. Na película, conflitos no hospital e conflitos familiares são expostos em detalhes. E outro mérito do filme é mostrar o trabalho e o apoio de Helene Schweitzer (Barbara Hershey), enfermeira e esposa do médico, afinal, sem o seu suporte dificilmente o trabalho do humanitário teria atingido os níveis de alcançou.
Albert Schweitzer era um músico (organista), grande especialista em Bach. Ele era também filósofo, que deixou seu pensamento registrado em “Filosofia da Civilização”. Quanto à teologia, escreveu livros sobre Jesus e o apóstolo Paulo. E sobre o seu trabalho missionário como médico, escreveu relatos de experiências magníficos, como se vislumbra em “Entre a água e a selva”. Eu admito que as obras de Schweitzer encontraram morada em mim, de modo que toda vez que as leio me emociono. Ele não foi apenas um intelectual ou um acadêmico, ele foi alguém que buscou, segundo seus próprios termos, quitar um pouco da dívida que os europeus tinham para com os africanos, em razão de terem legado “escravidão, álcool e doenças” à África.
Um termo caro a Schweitzer e que é bem explorado no filme é a “Reverência pela vida”. O que seria isso? Para me valer de Goethe, autor que o médico admirava, a ponto de receber, em 1928, o Prêmio Goethe, trata-se de buscar uma “uma bela alma” (vide o Livro VI de “Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister”). E o que seria isso? A busca da harmonia do homem com Deus e com a natureza. Schweitzer era um missionário protestante, um cristão praticante, mas, longe de ser um sectário, antes buscava realizar uma obra humanitária entre os desvalidos do Gabão. Por meio da medicina, ele queria amenizar as dores das pessoas.
Para se aproximar de Schweitzer deve-se compreender que ele é alguém bem intencionado que viveu entre o final do século XIX e até pouco mais do que a segunda metade do século XX. Isso significa que ele utilizava termos como “selvagem” e “primitivo”, mas, é preciso ir além do pedantismo e do modismo de julgar de qualquer modo o passado. Schweitzer não é um imperialista, ele não é um colonizador. Ele fez um trabalho humanitário que poucos, inclusive hoje, se dispõem a fazer. É mais fácil falar da pobreza a partir do conforto de Paris ou de uma grande cidade do que indo ao local da pobreza.
“Albert Schweitzer” é um ótimo filme para quem quiser tomar contato com a vida do grande médico que, em 1952, foi galardoado com o Prêmio Nobel da Paz. Eu admito que esse prêmio, dado a tantas pessoas de condutas questionáveis, me incomoda, contudo, por ter sido dado também ao humanitário alemão, me conforta. Além disso, tomar contato com o trabalho de Schweitzer também é um convite para que a vida seja celebrada, que seja reverenciada, e para que uma educação para a paz seja promovida.